segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Forasteiro - Ariel Fernando

Breve análise da música alternativa Ilheense

Antes de opinar com esta análise, peço permissão para apresentar-me. Meu nome é Ariel, sou instrumentista e já participei de várias bandas de Rock e Heavy Metal na minha cidade natal, São Luís-MA, que deixei em busca de novas oportunidades acadêmicas e profissionais, e vim parar aqui na região sul-baiana, com uma boa carga de experiência musical, porém um anônimo num lugar onde tive que começar a carreira novamente. Retornar aos palcos estava difícil. Depois de bastante tempo procurando músicos que encaixassem propostas, recuperando meu equipamentos que eu havia vendido por conta das mudanças de cidade, finalmente consegui me tornar baterista da banda de rock Enttropia. Porém as dificuldades estavam apenas atingindo um nível maior e enfim, o começo da história vai se misturando com a proposta inicial de escrever um texto sobre a música alternativa aqui em Ilhéus, e porque não Itabuna. Um dos primeiros obstáculos sempre foi arranjar um lugar para ensaiar, ainda mais numa cidade “não muito ativa” nesse mercado musical.
Construí meu próprio estúdio, col
ando caixas de ovo e espumas num quarto vago da minha casa alugada. Os ensaios pelo menos fluíram. Em pouco tempo estávamos prontos pra tocar. Mas tocar, onde? Onde estavam os eventos? Desde que cheguei, em 2007, o maior suspiro produtivo das bandas locais, na minha opinião, foi o Festival Chocolate Groove, embora não totalmente satisfatório pois não manteve acesa a chama do movimento cultural alternativo como deveria. Além disso, somente eventos ora totalmente underground, com produções ‘armengadas’, ora totalmente contraditórios à proposta da alternatividade musical, expondo bons artistas a troco de nada em nome de sua marca. Eu já sabia que no nordeste inteiro as coisas eram difíceis para músicos alternativos, mas a coisa aqui poderia ser diferente, devido à proximidade com a região sudeste e o incrível trânsito de pessoas forasteiras. Engano meu. Como muitas cidades do interior, a mentalidade geral rejeita os estilos musicais alternativos como Rock, Metal, Hip Hop etc. Desde quando cheguei em Ilhéus, ficava me perguntando porque a cidade não tinha um circuito alternativo consolidado; não é por falta de artistas, não é por falta de público. Existiam bandas, afinal. E pessoas querendo se divertir. Cadê o empreendedor pra explorar isso? E não demorou muito pra entender o nível em que estava essa região no quesito profissionalismo. Não existem produtores alternativos experientes nessa área. Sequer uma aparelhagem de som acostumada com shows de rock estava acessível. Mas qual era o problema central afinal? Simples. O senso comum dessa região acha que roqueiros, metaleiros, regueiros e rappers são a escória do mundo musical. Amadores, no estrito sentido da palavra. Os músicos de outros estilos têm o direito de ter seu contratinho assinado, ganhar seu dinheirinho em porta de bares, terem todos os espaços abertos para suas produções. Nós da música alternativa não. Somos doidos fazendo barulho, e não música, para outros doidos. O que faz uma pessoa preferir pagar dezenas de reais em artistas de axé e afins, que vêm de fora com suas megaproduções, ao invés de pagar 5 conto numa produção alternativa de músicos locais de rock and roll por exemplo? Foi simples entender a resposta. Com a realização da minha primeira produção de um show por aqui pude perceber que qualquer produtor, não sentiria confiança no público, pois ele tem resistência com esse tipo de produção; pela falta de experiência. Isso se reflete no medo dos patrocinadores, e consequentemente falta de recursos para manter o nível de produções contínuo. Se não há produtores confiantes, não há shows, as bandas não evoluem e isso não atrais mais público, sem alimentar a engrenagem da contracultura local. O ciclo da música alternativa não gira se todos os fatores não contribuem para isso. O público vai preferir outros atrativos, digamos, mais “populares”. As bandas não vão sair do amadorismo. Os produtores não vão querer tomar prejuízo. E sem a ousadia de todas essas partes, o destino dos músicos alternativos dessa região vai ser sempre: ficar trancafiado em garagens e estúdios tocando, enquanto o público prefere pagar mais por produções mais bem elaboradas, mas cujo foco não é necessariamente o prazer musical, e sim o lucro dos produtores, que na maioria das vezes, nem daqui são. Na minha opinião a solução vem de dentro de nós, artistas, músicos, de artes que não pagam jabá, não são feitas por amor ao dinheiro e sim amor à própria arte. Não podemos aceitar esse desprezo pela nossa profissão (que devido a falta de pagamento muitas vezes se transforma em hobby). Façamos nós mesmos nossa própria profissionalização, nossa própria produção, visando pelo menos, reconhecimento, se o lucro não for possível. Filosofia do Faça-você-mesmo. Somente com o reconhecimento do público, os locais de eventos e os produtores vão entender que existem profissionais competentes dentro do Rock, do Heavy Metal e outras vertentes não favorecidas da música. As ferramentas como a internet nos ajudam a divulgar e buscar informações. E com uma dose de sorte, o público vai se renovar e passar a entender que seu dinheiro será bem investido, que o retorno virá com mais empolgação das bandas, mais capricho nas produções e que vale a pena investir no que é daqui. O músico alternativo precisa entender que neste mercado não existem concorrentes, e sim colegas de profissão, pois se uma banda cresce, o cenário todo cresce e as outras bandas evoluem junto. Tá todo mundo lascado mesmo, porque não se unir? Ninguém vai ganhar mais ou menos com isso (Aliás, existe algum rockstar grapiúna que se sustenta com música?). Não podemos é continuar aceitando contratações de boca, descaso com a qualidade de estrutura e sonorização, dentre outras escravizações. Deixo para os que estão lendo, a idéia de fazer uma associação de bandas, compartilhando modelos de contrato, piso mínimo de pagamento por apresentação e autogestão dos eventos, troca de idéias sobre projetos de captação de recursos, etc. Penso que só isso fortaleceria a contracultura sul-baiana. Basta se organizar, mostrar que somos profissionais de verdade e não animais barulhentos, que os donos de estabelecimentos de entretenimento vão perceber que somos, apesar de tudo, uma boa fonte de renda pra eles. E nós ganhamos espaço com isso. Conseqüentemente o público dará mais credibilidade às produções locais, e vai ousar sair à noite pra ouvir música boa e investir dinheiro nas coisas boas, e alternativas, da vida.


Ariel Fernando

Um comentário:

  1. Gosto da idéia da associação de bandas. E concordo que a união dos artistas só tem a acrescentar. Agora para que as coisas aconteçam mesmo é preciso muito mais do que vontade de fazer. É fundamental que exista maturidade e espírito coletivo de verdade por parte destes artistas. Isso é algo que não podemos garantir sempre, pois como diz minha sábia mamãe: "coração de gente é terra que ninguém anda". Mas ando vendo muita gente boa por aí. O cenário está se renovando aos poucos e eu ando otimista. Mesmo conhecendo de perto essa realidade, acredito que ainda podemos fazer muita coisa por essas bandas.
    Bom texto....vou twittar! Rs...

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